Artigo elaborado pela advogada Carol Fedalto
O envio do marco legal das Startups (Projeto de Lei Complementar 249/2020) pelo executivo ao congresso no dia 22 de outubro reaqueceu as discussões sobre a necessidade de adaptação da legislação às necessidades dessas empresas que, por meio de processos mais ágeis do que uma empresa comum, desenvolvem produtos e serviços inovadores.
O projeto, que pretende criar um ambiente legislativo mais propício ao desenvolvimento das Startups, traz no art. 4º a previsão dos contratos que podem ser firmados para captação de investimentos.
O Projeto de Lei procurou não engessar as formas de captação de investimento – ao contrário do que foi feito com o contrato de parceria do investidor-anjo – e apenas nomeou alguns contratos sem descrever quais formalidades devem ser observadas.
Foram enumerados no projeto do marco legal os contratos de mútuo conversível (forma mais utilizada atualmente), emissão de debênture conversível, formalização de uma sociedade em conta de participação, contrato de opção de subscrição de ações ou quotas e contrato de opção de compra de ações ou quotas.
O contrato de mútuo conversível, apesar de até o presente momento não ser especificamente previsto em lei, não constitui instrumento completamente estranho à legislação, pois o mútuo é previsto no código civil e a forma de contraprestação no vencimento do contrato pode ser realizada da forma que as partes ajustarem, inclusive por cessão de participação societária.
A emissão de debêntures conversíveis é uma das formas de captação de investimento regulamentada pela Lei das Sociedades Anônimas, de modo que sua efetivação deverá observar os limites legais.
A formalização de sociedade em conta de participação também deve observar as regras legais, dispostas no código civil.
Resta-nos, então, a análise dos contratos identificados pelo legislador como “opção de compra de ações ou quotas” e “opção de subscrição de ações ou quotas”.
A opção de compra e subscrição de participação societária, conforme prevista no art. 168, §3º da Lei das Sociedades por Ações, é uma concessão feita aos administradores, empregados ou prestadores de serviços da empresa, que promete a eles a possibilidade, em certo período de tempo, de adquirir uma parcela de participação societária por um valor pré-fixado.
Esse tipo de instrumento, na forma prevista na Lei das Sociedades por Ações, pretende premiar o administrador/funcionário e ainda incentivá-lo a maximizar sua colaboração de forma a aumentar o valor da empresa no mercado, com a finalidade de obter maior vantagem na hora que o direito de compra ou subscrição for exercido.
Observe-se que a opção de compra ou subscrição de ações é gratuitamente fornecida ao beneficiário, que depois, onerosamente, adquirirá participação societária.
A diferença entre opção de compra e opção de subscrição não consta em lei, mas convencionou-se que está na forma como a sociedade disponibiliza a participação societária ao beneficiário. Na opção de compra de ações o beneficiário adquire as ações/quotas que estiverem na tesouraria da sociedade, enquanto na opção de subscrição a sociedade emite novas ações ou quotas, mediante aumento de capital.
Para ambas as espécies de opção, a legislação exige que a companhia deverá ser de capital autorizado. Essa característica da companhia não afeta seu enquadramento nem divisão dos lucros, mas apenas prevê no estatuto (ou contrato social) que o capital social poderá ser aumentado até “X”.
Diante da breve explicação, é possível perceber que a opção de compra e subscrição de ações ou quotas não se trata de meio de captação de investimento, mas sim de forma de premiação e incentivo a administradores, funcionários e prestadores de serviços.
Gera ainda confusão o fato de a Lei das Sociedades por Ações prever especificamente a existência de um modelo contratual que se destina à captação de investimentos, denominado de bônus de subscrição. Diferentemente das opções, no bônus de subscrição o investidor adquire o direito de futuramente comprar – melhor dizendo, subscrever – ações que serão futuramente emitidas mediante aumento do capital social, por um valor pré-fixado.
Nesse modo de contratação, o bônus de subscrição é considerado um título autônomo e circulável no mercado, de forma que pode ser cedido a terceiros a qualquer momento. Importante destacar que a opção de compra ou subscrição de ações é um direito personalíssimo, justamente pelo caráter de premiação ao colaborador.
Outro aspecto importante a respeito do bônus de subscrição é o fato de que quando de sua emissão, é assegurado ao acionista o direito de preferência em sua subscrição, de modo a lhe assegurar a manutenção de seu percentual de participação no capital social e, também, de não sofrer uma diluição injustificada em seu patrimônio.
Ainda, o bônus de subscrição apenas poderá ser ofertado por sociedades anônimas de capital autorizado, pela necessidade de aumento do capital social. Por isso, esse instituto não poderia ser empregado pelas sociedades limitadas.
Fato é que os contratos de opção (seja de compra ou subscrição) e o bônus de subscrição são institutos diferentes, com objetivos diversos, que conferem aos aderentes direitos e deveres diferentes. Ao deixar de explicar e regulamentar o que entende por “opção de compra” e “opção de subscrição”, o legislador perdeu a oportunidade de criar um negócio jurídico aplicável a todos os tipos societários, destinado à captação de investimentos e ocasionou a confusão com a figura da opção de compra de ações já regulada na Lei das Sociedades por Ações.
A imprecisão trazida no Projeto do Marco Legal das Startups evidencia o problema que vem sendo experimentado – em especial – no âmbito das Startups: a assinatura de contratos que, a priori, não seriam previstos na legislação brasileira. Tome-se por exemplo os contratos citados acima: a assinatura de um contrato de captação de investimentos com a nomenclatura de opção de compra de ações conferiria a ele tratamento jurídico completamente diverso do almejado pelas partes e, não havendo quotas ou ações disponíveis em tesouraria, seria capaz de mitigar a posição societária dos sócios ou acionistas que deixariam de concorrer para o aumento de capital, permitindo, inclusive, a alteração do poder de controle societário.
Carol Fedalto, advogada (OAB/PR nº 94.4390), especialista em direito empresarial, com foco nas áreas de direito societário e contratual. sócia do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados
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