Uma empresa construída do zero certamente já incorpora em seu DNA o conceito de Data Driven. Já as organizações tradicionais enfrentam vários desafios para implantar essa cultura
Rafael de Almeida Pereira*
O conceito de Data Driven Enterprise, ou “Organização Orientada a Dados”, ressignificou-se ao longo do tempo, a par e passo com a evolução da tecnologia. Atualmente, o imperativo “Data Driven” para uma organização não mais diz respeito à sua capacidade de processar dados. As novas características de uma organização orientada a dados são as capacidades de organizar, conectar, movimentar e monetizar dados.
Organizar significa conhecer e padronizar os silos digitais tão comuns dentro dos ambientes de TI. Silos digitais são sistemas pontuais implantados para atender partes de um processo, como um sistema de pedidos que atendeuma unidade da empresa. Se a empresa possuir três unidades diferentes, serão três sistemas de pedidos… ou então um sistema ERP tão acoplado que não conseguimos conhecer o detalhe do pedido gerado até que a ordem de produção esteja concluída.
Conectar significa remover esses silos, tornando o universo de dados da organização disponível de forma padronizada a todos os seus atores digitais.
Movimentar significa habilitar o fluxo de dados em tempo real (ou próximo) de forma a potencializar toda a cadeia de consumo e tomada de decisão.
Monetizar, por fim, significa transformar esse universo de dados organizados, conectados e em movimento em umconjunto de ativos digitais que possam ser consumidos externamente, fazendo jus ao termo e transformando-se em fonte de receita e valor para as cadeias de negócio.
Uma organização que seja construída do zero certamente já terá incorporado em seu DNA o conceito de “DataDriven”, independentemente do segmento em que atue. Cenários digitais nativos já nascem em nuvem e são compostos por processos e aplicações nativas (Agile, DevOps, PaaS, Kubernetes, squads e tribos, entre outros pilares).
Já as organizações tradicionais, com enormes ambientes de TI, cuja cultura organizacional foi influenciada pela abordagem tradicional de tecnologia (processamento de dados em silos, fluxo síncrono de informação, processamento em lote), e que para existirem são implantados e sustentados por equipes altamente especializadas, enfrentam vários desafios para a implantação do novo conceito de “Data Driven”.
Organizar e conectar
Identificar os silos de dados não é a parte mais difícil desse processo. Libertar os dados é que são elas… Naturalmente híbridos (pois quase sempre foram implementados a partir de tecnologias distintas, conforme arealidade da época em que nasceram), disponibilizá-los de forma transparente é um processo complexo e, por consequência, mais lento e caro.
A maioria desses silos encontra-se em data centers internos, ou mesmo em locais remotos (uma fábrica ou umaunidade de extração, fora dos grandes centros), e quase sempre com desafios de conectividade e também de capacidade computacional.
Movimentar e monetizar
Aqui se faz necessário criar e movimentar fluxos de dados em “tempo real”, ou o mais próximo possível disso. Nãose trata somente de implementar um “link mais rápido” ou de “hospedar a aplicação na nuvem para absorver os picos de consumo”.
Trata-se de reinterpretar a forma como se constrói código nas organizações. A construção procedural que “combina” um protocolo de “consulta e escrita” para as mudanças de estado que movimentam os processos não é mais suficiente para lidar com a velocidade e o volume de dados.
Habilitar a capacidade de modelar o código de forma mais natural, ou “assíncrona”, é um imperativo para habilitar a capacidade “tempo quase-real” exigida pelos fluxos de dados. Como exemplo, considere um aplicativo de pagamento digital, consumido a partir de vários canais. Além da monetização da transação financeira em si, todo oseu entorno também é relevante, e passível de monetização (tipo de dispositivo, características do produto, demografia e geografia, entre outros).
Essas informações precisam estar disponíveis para ser consumidas, de preferência durante a execução datransação, pois podem viabilizar ações diversas (retenção, up-selling e bilhetagem, por exemplo), além de ser potencial insumo para análise de fraudes. Observem que o universo de ferramentas e atores aqui já não é tão pequeno, e nem somente interno à organização … “Combinar” o protocolo de consulta e registro para esse fluxo de negócio pode inviabilizar a monetização.
Isso porque a vida útil do dado em movimento é seu principal valor: descobrir daqui a uma hora que a geolocalização de 10 minutos atrás de um dispositivo que efetuou uma compra em Fortaleza é a cidade de Porto Alegre também não adianta; a fraude já foi consumada.
E, por fim, o valor do dado também está na forma em que é entregue. O consumo dos dados estabelece uma relação digital entre produtores e consumidores, e quanto mais estruturada e ágil for sua apresentação, maior será a facilidade de consumo e, por consequência, haverá menos impacto no seu maior valor, que é a vida útil.
O caminho a seguir
Um olhar estruturado para a viabilidade tecnológica atual da organização é o principal ponto de atenção para uma jornada “Data Driven”. A análise da maturidade atual de ferramentas, cultura e processos vigente na organização irá determinar as prioridades e possibilidades da jornada “Data Driven”.
Outro tema importante é a capacidade das iniciativas de atualização tecnológica em habilitar novos conceitos de forma concorrente com o cenário atual, criando um cenário confortável de transformação dentro da área de TI, e também de sua absorção na cultura da organização.
(*) Rafael de Almeida Pereira é alumnus do MBA Executivo e do Mestrado Profissional do Insper e coordenador do pilar de Tecnologia e Valuation do Comitê Alumni de Tecnologia. Tem atuação profissional e acadêmica de mais de 20 anos em temas relacionados à indústria digital, atuando no desenvolvimento de negócios digitais em empresas nacionais e multinacionais do segmento.
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